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Futebol, milagre da multiplicação de audiência no YouTube e o contra-ataque da TV

Futebol, milagre da multiplicação de audiência no YouTube e o contra-ataque da TV

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Data: 21/04/2023
Veículo: Valor Econômico

Crescem as transmissões de partidas de futebol no YouTube e plataformas de streaming; marcas e espectadores comemoram, mas falta de transparência dos números de audiência aponta desafios no setor

Um milagre usualmente oferece no mínimo duas perspectivas. Para os crédulos, é prova da manifestação de uma força superior. Mesmo que você não consiga explicar, os resultados são o suficiente para crer. Para os céticos, é apenas uma prova de que as pessoas no fundo enxergam somente o que querem ver.

O crescimento do futebol em plataformas gratuitas de streaming no Brasil, particularmente no YouTube, é uma espécia de milagre da mídia. Para muitos, é a prova de que a plataforma de vídeos do Google é o futuro da TV (e do futebol) e resistir é inútil.

Para outros, a novidade é um dos maiores projetos de destruição de valor já realizados na mídia. Enquanto nos Estados Unidos, Europa e Ásia os custos dos direitos de transmissão estão cada vez mais caros, batendo recordes de valor (e os espectadores e marcas gastam cada vez mais), por aqui os donos dos direitos oferecem as partidas de futebol de graça no YouTube cobrando direitos de transmissão por uma fração do valor pago não faz muito tempo pelas TVs.

Dias atrás, um executivo do setor disse que ““se essa quarta camada dos streamers movida a direitos baratos e não exclusivos virar uma realidade, o jogador de futebol brasileiro pode se preparar para trocar o Range Rover pelo Renault Logan, porque o que vai sobrar para os clubes vai ser uma mixaria”.

Mas assim como a ciência explica os milagres e separa ilusão da realidade, algo semelhante deverá acontecer graças a avanços na mensuração de audiência. No mundo inteiro, criar métricas que permitam comparar digital e mídia tradicional é uma discussão crescente e inescapável.

TVs de um lado, YouTube do outro

A polêmica em torno das transmissões dos jogos no YouTube poderia ser facilmente resolvida se as empresas contratassem a Kantar Ibope para medir os resultados das transmissões das partidas como já fazem no caso da TV brasileira. A tecnologia já existe e a Kantar inclusive mede a audiência mensal do YouTube, porém não divulga números de eventos específicos como os jogos.

O YouTube estaria trabalhando para resolver essa questão, mas esbarra nos altos custos e limitações dos parceiros de mensuração. O volume de dados gerados por todo o conteúdo transmitido no YouTube é gigantesco.

Mas para os concorrentes a solução seria simples. Em vez de medir tudo, o YouTube deveria usar empresas como a Kantar Ibope apenas para o conteúdo premium, de longa duração, como as transmissões de futebol.

Essa é a proposta do Joint Industry Committee (JIC). Criado em janeiro, nos Estados Unidos, pela Comcast NBCUniversal, Paramount Global, Warner Bros. Discovery, Fox e TelevisaUniversal, a missão do grupo é lançar um padrão unificado de medição de mídia capaz de entregar os mesmos números para todas as plataformas: TV, streaming, YouTube e toda sorte de telas.

Nos últimos meses, A+E Networks, AMC Networks, Hallmark Media e o streamer Roku também se associram ao JIC. Programadores menores são representados pelo Video Advertising Bureau (VAB). Já os conglomerados de publicidade GroupM, Publicis Media, Omnicom Media Group, IPG Mediabrands e RPA se tornaram parte do grupo de trabalho que tomará decisões e certificará fornecedores para o JIC.

O plano é estabelecer a adequação dos fornecedores antes do ano da transmissão de 2024, que começa em 1º de outubro. Se a ideia de medir apenas “conteúdo premium” produzido profissionalmente (filmes, novelas e séries) passar, o conteúdo gerado por usuários encontrado no YouTube, TikTok e outras plataformas de mídia social tenderia a perder relevância para os anunciantes.

 

YouTube quer tudo igual

O YouTube rapidamente descartou a ideia de separar conteúdo premium. Kate Alessi, diretora do YouTube, publicou um post no blog da empresa no mês passado em que defendeu “adotar e aderir a princípios comuns em qualquer solução de medição de audiência cross-media de terceiros”. Porém, rejeitou a ideia de separar conteúdo premium e amador. “Estamos do lado dos profissionais de marketing que precisam medir o alcance em todas as plataformas, independentemente do criador do conteúdo, duração do vídeo ou qualidade da câmera”.

O embate entre Google, empresas de mídia tradicional e agência é um embate de bilhões. Os gastos com anúncios no segmento de Publicidade em vídeo devem chegar a US$ 176,60 bilhões em 2023.

Separar conteúdo premium e amador, e até como medir a audiência entre plataformas, determinará a sorte de muitas empresas. A transmissão do jogo da seleção brasileira por Galvão Bueno no YouTube ilustra essa disputa.

Para muitos, o fato de uma estrela da TV do porte de Galvão Bueno realizar a transmissão no YouTube e alcançar mais de 10 milhões de views era prova irrefutável de que a TV já tinha um competidor à altura. Mas entender os números, e principalmente os conceitos, é importante para evitar conclusões precipitadas.

Um view não equivale a um espectador

Primeiramente, vale dizer que um view (ou visualização) não equivale a um espectador. Nesta história, três conceitos são fundamentais:

Usuário único (unique user): refere-se ao número de usuários individuais que acessaram um site, aplicativo ou plataforma em um período específico. No contexto do YouTube, um usuário único representa um espectador individual que assistiu a pelo menos um vídeo na plataforma em um determinado período de tempo, independentemente de quantos vídeos assistiu ou quantas vezes assistiu ao mesmo vídeo.

Visualização única (unique view): refere-se ao número de visualizações individuais de um determinado vídeo no YouTube, independentemente de quantas vezes o mesmo usuário assistiu ao vídeo. Essa métrica conta cada visualização apenas uma vez, mesmo que o mesmo usuário assista ao mesmo vídeo várias vezes.

Visualização (view): refere-se ao número de vezes que um determinado vídeo foi reproduzido no YouTube, independentemente de o visualizador ser único ou não. Essa métrica conta cada instância de reprodução, mesmo que o mesmo usuário assista ao mesmo vídeo várias vezes.

Vale notar que cada plataforma conta um view de maneira diferente. Para o YouTube, um view é uma reprodução de vídeo solicitada por um usuário. Para que isso aconteça, o botão de reprodução no vídeo do Youtube deve ser iniciado por um usuário de um endereço IP verificado e o espectador deve assistir ao vídeo por 30 segundos ou mais.

Para resumir, usuário único refere-se ao número de usuários individuais que acessaram o YouTube, visualização única representa o número de visualizações individuais de um determinado vídeo e visualização refere-se ao número total de vezes que um vídeo foi reproduzido.

Audiência do jogo transmitido por Galvão Bueno

Muito se divulgou o número 10 milhões na live do Galvão. Teve gente acreditando que isso significasse 10 milhões de audiência. Mas segundo dados da ferramenta Google Analytics do canal GB obtidos pela coluna, os números têm mais nuances.

A transmissão do jogo da seleção Galvão alcançou mais de 10 milhões de views durante a live. Porém, foram apenas 5 milhões de unique views. Já aparelhos conectados (unique users) foram 1,5 milhão.

“As métricas do YouTube jamais foram contestadas e funcionam como base para o mercado há anos”, disse João Pedro Paes Leme, CEO e sócio fundador da Play9, por meio de sua assessoria de imprensa quando questionado sobre os números. “Entre as mais importantes, em lives como a do dia 25 de março, estão o número de dispositivos únicos conectados simultaneamente, o pico de audiência desses dispositivos, a quantidade de dispositivos únicos que passaram pela transmissão e o número total de views no período da transmissão. E em todos esses parâmetros os nossos números foram espetaculares”, acrescenta.

Pelo cálculo da plataforma do YouTube, cada aparelho conectado no jogo teria 3,33 pessoas assistindo (5 milhões de unique views). E cada pessoa assistindo equivaleria a dois views (10 milhões). O Google não divulga detalhes de como os resultados são calculados. No link de suporte enviado à coluna, não consta qualquer metodologia de pesquisa. Para muitos, é justamente nesta falta de transparência que está o problema.

“Esse é o grande problema nas redes sociais, tudo vale. Não há uma ciência nas medições”, afirma Caio Luiz de Carvalho, diretor executivo do Grupo Bandeirantes.

A Band, que também transmitiu a partida, ficou na vice-liderança no Painel Nacional de Televisão (PNT), que reúne os índices dos 15 mercados aferidos pela Kantar IBOPE Media. A emissora marcou 9,6 pontos de média, share de 17,3% e pico de 10,8 pontos no horário (19h08 às 21h05). Cada ponto no Ibope equivale a 268.083 domicílios e 717.088 indivíduos no PNT.

Carvalho destaca o desempenho da Band no digital. No dia 25 de março, conteúdos do amistoso Brasil x Marrocos geraram mais 11 milhões de pageviews no site, 282 mil usuários e 334 mil sessões. #BrasilNaBand foi mencionada mais de 3 mil vezes e gerou mais de 132 milhões de impressões espontâneas.

Copo meio cheio ou vazio?

Segundo uma pesquisa interna de uma plataforma concorrente do YouTube obtida pela coluna, os números abaixo representam os espectadores na TV aberta, canal GB (de Galvão Bueno no YouTube) e da ESPN na TV cabo durante a transmissão do jogo da seleção.

Audiência amistoso da Seleção Brasileira

Durante a partida  – Média –  Pico

BAND (TV aberta) –  8.818.693 – 10.025.661

Canal GB (YouTube) –  1.258.019 –  1.484.937

ESPN (TV a cabo) – 1,214.177  – 1.365.563

Aqui, o número de pico de espectadores no YouTube seria bastante similar ao número de aparelhos do relatório do Google Analytics do canal (os analistas usaram um usuário para cada acesso, o que me parece baixo visto que o YouTube também é consumido em TVs e não somente celular).

Seja como for, fica claro que o YouTube rouba audiência das demais plataformas. A final do Carioca entre Fluminense e Flamengo é um exemplo. A Band alcançou a liderança na TV aberta com 2,031 milhões de espectadores, segundo dados da Kantar Ibope. Já a transmissão da partida no YouTube no Flow Sport Club alcançou 1,3 milhão de visualizações simultâneas e 5,9 milhões de visualizações.

A chegada da Série B do Campeonato Brasileiro deve esquentar a discussão em torno da audiência no streaming. Veja este exemplo destacado por Murilo Antonio, diretor global da Adidas, em sua página pessoal no LinkedIn:

Vitoria x Ponte Preta na Band: 432.000 pessoas (2,1 pontos de audiência, cada ponto aprox. 206.000 pessoas)

Vitoria x Ponte Preta no Flow: 469.000 visualizações (dados de hoje, não necessariamente significam 1 pessoa por visualização)

À primeira vista a impressão é de que o Flow teve mais audiência que a Band. Mas se aplicarmos a mesma conta de views e unique views no caso do jogo da seleção no canal GB, o valor cai para 234,5 mil unique views (espectadores). E se dividirmos por 6,66 (resultado da divisão de views por usuário único/aparelho) chegamos a apenas 70,4 mil aparelhos conectados ao jogo do Vitória contra a Ponte Preta.

A audiência da Band não foi boa, mas proporcionalmente a do YouTube também não. O que leva à questão: existem fãs suficientes para manter a transmissão em diversas plataformas ou estão reduzindo o potencial de lucro? Se já é difícil vender publicidade e atrair espectadores para um único canal, pulverizar a oferta traz o risco de reduzir o valor dos direitos e até confundir o público diminuindo sua disposição para ficar caçando jogos em meia dúzia de plataformas.

Do ponto de vista do Antonio, “os parâmetros quase nunca eram os mesmos para conseguir uma comparação justa (jogos transmitidos eram diferentes). Dessa vez, o jogo transmitido na Band também pode ser acompanhado no YouTube, com essa dinâmica se estendendo por todo o campeonato”. Outros executivos estão atentos aos números e fazendo cálculos.

Para as equipes de marketing e suas marcas, por enquanto, no futebol está se materializando o milagre da multiplicação da audiência e da redução dos custos de publicidade. Se a conta fica de pé, apenas as novas métricas vão dizer depois que o YouTube e os gigantes de mídia entrarem em um acordo. Mas quando o tema é medição de audiência, é a oportunidade das TVs partirem para o contra-ataque.

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