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Lei para todas as ferramentas de busca

Lei para todas as ferramentas de busca

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Data: 23/02/2022
Veículo: O Globo 

Por Diogo R. Coutinho* e Beatriz Kira**

Para além de coibir as fake news, o PL 2630/2020 tem a nobre e importante função de regular aspectos ligados à liberdade, reponsabilidade e transparência de provedores de internet. Mas é preciso dizer que a proposta, em seu artigo 5º, VII, de forma injustificável, exclui ferramentas de busca destinadas a funcionalidades de comércio eletrônico da definição mais ampla de “ferramenta de busca”. O imediato e preocupante resultado dessa exceção é que tais ferramentas, incluindo as usadas em plataformas de marketplace, deixam de estar submetidas à incidência das normas contidas na futura lei.

A inclusão de todas as plataformas de busca, sem exceções, no escopo da futura lei é fundamental para que usuários finais e corporativos sejam efetivamente protegidos — e para que a concorrência entre provedores de internet seja fomentada com ganhos de bem-estar para a sociedade. Eventual tratamento diferenciado dado apenas a um grupo determinado de atores econômicos criaria uma assimetria regulatória concorrencial que só seria justificada como parte de uma política pública claramente definida e bem delimitada em termos técnicos. Não é o caso. Ademais, a exclusão das ferramentas de busca comerciais e dos marketplaces distanciaria a moldura regulatória brasileira de propostas análogas em tramitação em outras jurisdições ao redor do mundo, notadamente na União Europeia e nos Estados Unidos.

Não há racionalidade econômica nem regulatória ou jurídica para isentar certas ferramentas de busca da aplicação da futura lei. Ao blindar apenas alguns tipos de ferramentas de busca do escopo do projeto, o PL exime atores relevantes em mercados digitais de se submeterem a importantes princípios e regras estabelecidos na proposta. Vale lembrar que o PL já inclui um critério quantitativo, que determina que apenas plataformas com mais de dez milhões de usuários registrados no Brasil estariam sujeitas às obrigações nele previstas. Ou seja, plataformas geridas por pequenos comerciantes estão de largada isentas da futura lei. Não há, repita-se, motivos para eliminar apenas alguns tipos de serviços de busca do escopo de aplicação, ainda mais se a empresa que os ofertar se encaixar no mencionado critério de dez milhões de usuários estabelecido no PL.

A adoção de uma perspectiva mais abrangente, que inclua todas as plataformas digitais dominantes ou essenciais no escopo de aplicação da lei, se justifica ainda pela estrutura e funcionamento dos mercados digitais. No contexto atual, empresas estabelecem redes interconectadas, e há grande relação de interdependência entre serviços e plataformas. Não por outra razão, a literatura especializada utiliza justamente o termo “ecossistemas digitais” para descrever mercados digitais cada vez mais complexos e integrados. Nesse sentido, não há razão para distinguir tipos específicos de serviços dentro de tais ecossistemas, dado que as preocupações regulatórias que o PL visa endereçar também estão presentes nas ferramentas de busca de comércio eletrônico.

Um exemplo paradigmático é o conhecido caso Google Shopping, analisado por diversas autoridades antitruste ao redor do mundo, inclusive no Brasil. A Google foi investigada e punida em diversas jurisdições por usar sua ferramenta de buscas geral para alavancar os serviços fornecidos pela ferramenta de busca de comércio eletrônico. Neste caso, a compreensão da estrutura integrada do ecossistema da Google foi fundamental para a identificação de danos concorrenciais, o que ressalta a importância de considerar, de forma tecnologicamente abrangente, os serviços fornecidos pela empresa, sem excluir a ferramenta de busca de comércio eletrônico.

Por fim, além de não ser justificada do ponto de vista de desenho de política pública, a exceção criada para plataformas de busca de comércio eletrônico coloca o Brasil na contramão das melhores práticas internacionais, notadamente das propostas em tramitação na União Europeia e nos Estados Unidos. Em ambos os casos, projetos análogos para regular plataformas e ecossistemas de internet incluem todas as ferramentas de busca no escopo das obrigações, sem prever exceções a tipos específicos de busca. Considerando o tamanho dos mercados que serão afetados por propostas aprovadas nessas jurisdições, bem como a influência que tais países têm no debate regulatório mundial, o alinhamento da proposta brasileira com as propostas da UE e dos EUA trará óbvios e substantivos ganhos para o Brasil.

O PL 2630/2020 é bem-vindo porque representa uma valiosa e irrenunciável oportunidade de complementar e fortalecer a legislação da internet no Brasil. Sua discussão e votação pelo Congresso são urgentes, mas ainda há espaço para que o impacto seja ainda maior e proteja não só consumidores, mas também varejistas que dependem dessas plataformas essenciais.

*Professor de Direito Econômico da USP
**Doutora em Direito Econômico pela USP e pós-doutoranda na Universidade de Oxford

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